domingo, 2 de agosto de 2009

Por que as pessoas gritam no trabalho?
Floriano Serra

Poucas cenas são tão deploráveis no contexto do trabalho como aquela em que um colega grita com o outro. Não importa o motivo, não importa a hierarquia – em qualquer circunstância, gritar com alguém é um recurso absolutamente desnecessário, além de ultrapassado e inadequado.
E, no entanto, em uma grande quantidade de empresas, as pessoas continuam gritando no trabalho. Por que isso acontece? Tenho duas modestas opiniões: uma, baseada em conceitos acadêmicos; e outra, baseada unicamente em coisas do coração. Vamos à primeira, a acadêmica, que agrada mais aos racionais. Se o “gritador” não exerce nenhum tipo de poder ou hierarquia sobre o “surdo”, então estamos diante de um simples caso de falta de educação ou descontrole emocional. Isso num contexto, o profissional, que deveria ser altamente socializado e integrado – pelo menos em teoria. No entanto, se o “gritador” é chefe do “surdo”, então estaremos diante de uma inequívoca manifestação de despreparo pessoal e profissional para liderar pessoas ou mesmo apenas interagir com elas. No fundo de todo grito há uma enorme arrogância ou uma profunda rebeldia – ou seja: em essência, a motivação é atacar ou desafiar.
Quando alguém grita, das duas uma: ou quer exibir um poder que julga possuir ou quer negá-lo no outro. No frigir dos ovos, é o velho poder que está em jogo. “Aqui quem manda sou eu!” – grita alguém (ainda que com outras palavras) quando quer impor poder – ou ”Você não manda em mim” – grita o outro – mesmo que de outro jeito - quando a motivação é desafiar o colega. Em ambos os casos, falta de educação e sociabilidade somam-se a um absurdo desconhecimento das mais elementares regras da comunicação e das relações interpessoais.
É preciso lembrar que o grito equivale à agressão física em vários sentidos. Igualmente magoa, constrange, machuca, desune e divide equipes, uma vez que os outros colegas tendem a posicionar a favor ou contra os envolvidos no “barraco”. Geralmente, é mais simples para uma empresa resolver a situação quando os envolvidos não são gestores. Em caso de punições, não será tão grande o impacto no andamento das atividades, nem maior será a repercussão no mercado ou na imagem da empresa.Contudo, quando os envolvidos são gestores (supervisores, gerentes, diretores), a coisa é mais séria por duas grandes razões: primeiro, porque há uma autoridade, um representante formal da empresa envolvido. E segundo, porque a ocorrência pode ser entendida pelos demais funcionários como uma “política” aceita e aprovada pela cultura e pelos valores daquela organização. E neste caso, a “culpa” é vista como compartilhada pela alta direção.
Nas duas situações a empresa deveria adotar urgentes e transparentes medidas corretivas ou preventivas para que o clima não se deteriore e para que aquela gritaria não contamine outros profissionais e outras áreas. Bom, e agora, qual é a explicação do coração?
Dentre os inúmeros e-mails que recebo diariamente, um deles me chamou a atenção pela interessante parábola que continha – para variar, de “autor desconhecido”. Diz o relato:

Um dia, um mestre perguntou aos seus discípulos:
— Por que as pessoas gritam quando estão aborrecidas?
— Gritamos porque perdemos a calma, disse um deles.
— Mas, por que gritar quando a outra pessoa está ao teu lado?
— Bem, gritamos porque desejamos que a outra pessoa nos ouça.
— Não é possível falar-lhe em voz baixa? – retrucou o mestre.
Os homens deram algumas outras respostas, mas nenhuma delas satisfez o mestre. Finalmente, ele explicou:
—Quando duas pessoas estão aborrecidas entre si, seus corações se afastam muito um do outro. Para cobrir essa distância, elas precisam gritar para poderem escutar-se mutuamente.
Quanto mais aborrecidas estiverem, mais alto terão de gritar para um ouvir ao outro através dessa grande distância.O mestre fez uma pausa e continuou:
— Por outro lado, o que sucede quando duas pessoas estão enamoradas? Elas não gritam, mas se falam suavemente. E por quê? Porque seus corações estão muito perto um do outro.Às vezes estão tão próximos seus corações, que nem falam, somente sussurram. Outras vezes, não necessitam sequer sussurrar, apenas se olham, e já basta. Seus corações se entendem. É isso que acontece quando dois enamorados estão próximos. Então, o mestre completou:
— Portanto, amigos, no trabalho, quando discutirem, não deixem que seus corações se afastem, não digam palavras que magoem, fazendo-os distanciarem-se ainda mais. Porque senão, chegará um dia em que a distância será tanta que não mais encontrarão o caminho de volta.

Antes que me perguntem, eu respondo: prefiro a segunda explicação, aquela que vem do coração. Por uma razão muito simples: é ele quem geralmente indica os melhores caminhos quando tratamos de unir pessoas para o trabalho. E o que é mais importante: sem gritar, muitas vezes até em silêncio, comunicando-se apenas por sentimentos e intuições. Se por um lado não há como negar que, neste mundo cada vez mais globalizado, a comunicação entre as pessoas é fundamental, por outro lado, é preciso reconhecer que diplomas, títulos e cargos não asseguram a ninguém o domínio da língua essencial e universal dos Homens: aquela que traz entendimento, cooperação, harmonia e resultados positivos – a linguagem da generosidade, solidariedade, amizade, respeito, justiça, afeto. Estou me referindo à linguagem do coração – infelizmente ainda muito pouco disseminada no mundo corporativo. Daí continuarem os gritos ecoando nos escritórios, corredores e salas das empresas. Até quando?Quem topa abrir um cursinho dessa língua?
(Floriano Serra é psicólogo, diretor de RH e Qualidade de Vida da APSEN Farmacêutica, autor do livro A Terceira Inteligência -Butterfly Editora, já na 2a. edição.

0 comentários:

Postar um comentário

Seguidores

Visitantes